A difícil arte de sobreviver ao medo

Sou mais uma entre milhares de pessoas que sofre de ansiedade e depressão. Há quase duas décadas luto contra a síndrome do pânico, agravada pela fobia social e agorafobia. Faço uso de medicações contínuas, terapia psicológica, enfim, tudo o que está ao meu alcance para ter uma vida um pouco mais “normal”. Limitada, confesso. Nunca mais fui a mesma e muitas coisas que fazia não consigo mais fazer. Por anos nem escrever eu conseguia mais, até achar uma psicóloga da linha cognitivo-comportamental que me ajudou nisso e escrever tem sido uma boa terapia.

Não raras às vezes fecho meus olhos e lembro do tempo em que viajava de avião, caminhava na rua, pegava um ônibus, ia a festas, shows, cinema, exposições, visitava amigos, fazia compras no mercado, andava de bicicleta e resolvia minha vida sozinha, sem precisar de terceiros como companhia e da disponibilidade deles quando preciso. Algumas vezes já fiquei sem nada na geladeira, não por falta de dinheiro, mas por não conseguir sair do portão sozinha pra ir até o mercado e não ter ninguém por perto pra me acompanhar ou buscar pra mim. Sim, podia chamar um táxi, mas e se eu tivesse uma crise, o taxista saberia o que fazer? Eu fazia tanta coisa comum que para as pessoas que ainda as fazem não tem muito valor, são coisas triviais, mas que eu sinto uma falta enorme de fazer sozinha. E o que mais sinto falta é de viajar e conhecer lugares. Agora faço isso mentalmente e tento não me aborrecer por serem apenas viagens mentais. Algumas vezes faço pelo Google. Ainda bem que inventaram a internet!

Só que algumas vezes, toda essa luta desgastante contra sentir medo não basta. Fases, eu diria. Tem as fases em que você encara o monstro do medo e tem as fases que o monstro do medo encara você. Tenho estado nessa fase, olhando pro desgraçado do medo me encarando. Dessa vez o monstro me atacou com pressão alta, me fazendo ter que tomar medicamentos sem nenhum problema cardíaco, mas a pressão já chegou aos 18.11, então não dá pra brincar, o medo mata. E não é pela pandemia não. A Covid foi a desculpa mais confortável que eu consegui para evitar sair de casa. As outras desculpas não colavam muito porque as pessoas não entendem os seus medos e nem que isso é uma doença emocional, mental e física.

Como eu disse, medo das pessoas, medo de lugares abertos e fechados, medo de estar sozinha entre estranhos e conhecidos, é medo de sentir medo. Medo de me sentir mal, de morrer subitamente. É uma enorme merda ter isso, só sabe realmente quem tem, porque esse medo “mental” se manifesta não no mental, mas em diversos sintomas físicos, como tremores, boca seca, desmaio, falta de ar, pressão alta ou baixa, taquicardia, dor no peito, sensação de morte e não vou citar todos porque são muitos. Então não é o medo normal das pessoas. É bem diferente. É uma luta diária, não dá pra baixar a guarda. E existem diversos níveis dessa doença. É uma doença, não alguns episódios ou o medo comum das pessoas. Eu não tenho medo de assaltos, mas tenho medo da dor que sinto no peito todos os dias. Conscientemente eu sei que é apenas uma dor muscular causada por tendinopatia, mas meu cérebro entende como um possível enfarto e aciona toda a adrenalina de uma situação de perigo iminente. E quando isso passa, você fica cansado como se tivesse corrido uma maratona inteira. Tá, e quando vem? Não sei. Nunca tem hora ou lugar pra vir. E se acontecer na rua? Então evito sair sozinha por medo de sentir esse medo e acabar passando por isso. E se for em casa? A mesma coisa. Por isso fico nervosa quando estou muito tempo sozinha. Medo de ter medo.

Com esse golpe aí, precisei medir pressão 3 vezes ao dia. O que me causa mais medo. Medo de enxergar a pressão alta demais ou baixa demais. E medo paralisa sua vida e suas atividades. Você diminui seu ritmo, vai em médico toda hora e se sente a pior coisa do mundo, torcendo pra essa fase ir embora de uma vez e guardando na memória o que causou esse ataque para não se repetir, mesmo sabendo que na próxima, ele vai agir de outra maneira pra derrubar você. Mas até a próxima, você vai se munindo de armas pra guerra. E tem a fase boa antes disso.

Alguém disse uma vez que o problema são as pessoas. Eu penso que o problema mesmo é a falta de empatia delas, a falta de compreensão com a dor do outro, o julgamento do alheio e a ignorância completa sobre os problemas emocionais. E o nosso descuido próprio e negação quando o sinal vermelho começa a piscar. Meu amigo, quando você só diz sim, mesmo querendo dizer não, busca agradar a todos, ser o filho, amigo, colega perfeito, toma todas as dores sobre você mesmo, leva tudo nas costas, trabalha em algo que não gosta, vive sobre estresse e pressão psicológica, convive com gente disfuncional e força seu emocional até o último… Nunca é bom sinal. Você vai adoecer. Experiência própria. E aí depois que você tiver uma doença como essa, todo mundo desaparece da sua volta. Você está por conta e ouvindo gracinhas ou comentários de “você não se ajuda”, como se você quisesse e gostasse de sofrer o que sofre! E ainda precisa se perdoar por ter sido tão otário dos outros!

Não chegue a esse ponto. Aprenda a dizer não. Seja um pouco egoísta, vá atrás dos seus sonhos, larga de lado o que não faz bem, não aceite gente do seu lado que nada tem a lhe acrescentar, apenas suga o seu emocional e não devolve nada. Seja parente, amigo, colega. Não importa, dê um pé na bunda desses malucos antes que você fique maluco. Evite o estresse. Não interessa a sua idade, nunca é tarde pra mudar e ficar esperto. Não permita que deprimam você, que deixem você ansioso. Sai fora dessa cilada. Eu queria ter tido alguém que me dissesse isso antes de chegar ao ponto em que cheguei. E digo: eu não desejo essa doença nem pro meu maior inimigo. Então, acho que você pode imaginar o que é a síndrome do pânico, a depressão, a ansiedade doentia que mexe com todo o seu organismo e altera sua produção de substâncias químicas no cérebro, até chegar ao ponto do seu cérebro mandar comando errado pro resto do corpo. E aí você sente medo de qualquer coisa. Tanto faz se um leão ou gatinho. Não tem mais diferença para o seu cérebro, tudo passa a ser ameaça enorme!

Seja feliz, ou ao menos tente. Não se exija demais. Faça o que gosta também, arrume tempo pra isso. A vida é um piscar de olhos pra perder tempo com coisas e pessoas sem essência, fazendo o que não se quer e sem tempo pra si mesmo. Se ame muito! Se permita dormir mais um pouco, ouvir uma música, mandar alguém se lascar e tomar banho de chuva comendo sorvete se quiser. Viva! Uma pena que eu aprendi tarde demais, mas nunca é tarde para alertar os outros. Muita luz pra você! E amor próprio. Nossas lutas continuam. Você na sua batalha e eu na minha. E dias melhores virão pra todos nós, porque o sol permanece lá em cima, mesmo em dias nublados e noites mal dormidas.

Publicado por Lara One

Escritora, autora e roteirista. Writer, author and screenwriter. Escritor, autor y guionista.

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