Serial killer, mas brasileiro…

Nas últimas semanas não se fala em outra coisa: Lázaro Barbosa. Qualquer programa na televisão, e não precisa ser de caráter jornalístico, lá está alguém ou algum (des)entendido no assunto falando do tal serial killer, já apelidado de “lazarento”. O número de policiais atrás dele varia. Alguns dizem que são quinhentos, outros dizem que são 300 – contando com o Leônidas. O sujeito está dando uma surra na força policial e a comunidade está em polvorosa por aquelas bandas. Eu lamento sinceramente pelas mortes brutais das vítimas desse canalha. Pelo medo que as pessoas estão sentindo, por terem que sair de suas casas, mostrando que realmente não temos segurança pública alguma quando um maluco desses aparece. E falando a verdade, não é apenas no Brasil. Nos Estados Unidos, a polícia também sofre quando precisa pegar um maluco desses no meio do mato. Só que lá isso já está banalizado, de tanto que acontece.

Não quero bancar a engraçadinha num assunto sério, pessoas morreram de formas cruéis e quem sobreviveu vai ficar com traumas psicológicos bem complicados para superar. Mas é impossível não rir – de nervoso – com o verdadeiro circo que se armou em cima do serial killer, até porque muita gente não sabe que todo o serial killer é ritualístico. E brasileiro não perdoa. É talvez uma das artes que mais dominamos, desviar o foco do pavor para a piada, uma forma não de desmerecer a situação em si, mas de aliviar um pouco o tamanho do problema. Fazer piada em cima de tudo é com o brasileiro, já acostumado a forçar o riso porque se chorasse pela realidade em que vive, seríamos uma das nações mais tristes do mundo. Memes e fake news estão cheias pela web sobre o assunto. Inventaram até que um sujeito foi procurar o tal Lázaro no mato e encontrou a mulher com o melhor amigo dele. Sem contar a piada de que “se Jesus soubesse que Lázaro causaria tanto problema…” e “Lázaro é brasileiro e não desiste nunca”. Provavelmente quando vierem as eleições presidenciais vai haver um meme de “vote em Lázaro porque…”

O mais preocupante ao meu ver é a histeria coletiva da população local, a tal ponto que qualquer gato atrás da moita é o Lázaro escondido. Isso é perigoso. Pessoas atearam fogo no mato porque alguém disse ter visto o Lázaro. E não se pode culpá-los por isso. A sensação de insegurança é tão grande que as pessoas nem dormem direito. Fico pensando se andassem armadas, quantas pessoas erradas poderiam matar e também penso que se tivessem direito a portar armas, alguém já teria matado o cara quando o visse entrar em seu quintal. A imprensa, enquanto espera pela captura, permanece na cidade, procurando com quem falar, descobrindo o amigo do amigo que tem um amigo que conheceu um amigo do Lázaro. Só alimentando a imaginação das pessoas, o pânico e a vontade de alguns em ter seus minutos de fama inventando que viu o cara, o que acaba prejudicando mais ainda a verdadeira caça que a polícia começou e aumentando o pânico generalizado.

Me desculpem, mas é impossível não rir de nervoso quando você vê a que ponto a coisa chega. Alguns telejornais se esquecerem dos problemas do país e temos noticiários ao vivo acompanhando as buscas, blocos inteiros sobre a caçada e o tal Lázaro ainda vai virar filme e livro, podem apostar que neste momento já tem alguém criando alguma coisa e tentando ser o primeiro a registrar pra garantir seus direitos autorais. Ele já ficou famoso internacionalmente pela BBC. É assustador o bando de oportunistas explorando a situação. Não que nunca tivemos um serial killer, já tivemos muitos, mas um que está dando baile na polícia é o primeiro. Então todo mundo quer tirar a sua fatia da história, visto que a própria tia do cara disse que ele tem proteção satânica, um livro de São Cipriano e que nunca vão pegá-lo. Depois pediu desculpas por um parente, mas quem vazou essa já fez o estrago numa população pra lá de supersticiosa.

Bem, um pai de santo estava preocupado que estão confundindo satanismo com a religião afro. Uma famosa “sensitiva” dando a visão dela sobre o pacto que o cara fez e deixando os mais influenciáveis mentalmente ainda mais aterrorizados. Uma deputada federal fez até um vídeo com um fuzil, dizendo que se o partido de situação não resolvia, ela iria resolver. A culpa é do Bolsonaro ou de Lula, a esquerda usa o livro de São Cipriano e a direita faz pacto com o capeta. E por aí vai. Todo mundo quer sua lasquinha de uma tragédia para usar a favor da ideologia que defende. E a culpa de tudo no fim vai ser do diabo. Não demora e algum pastor vai aparecer se oferecendo para o exorcismo. Eu não sou cética, sou cristã e não dou esse poder ao diabo que essa gente toda está dando, ajudando a influenciar a garotada a seguir o exemplo: “ah, o cara é satanista por isso tá conseguindo se dar bem, eu vou nessa onda também”. Em breve, e se já não está acontecendo, os donos de sebos e livrarias vão esgotar todas as edições do tal livro de São Cipriano. Vai virar a busca número um no Google do Brasil. E nem precisa ser vidente pra ver isso, afinal a propaganda é a alma do negócio.

O que pouca gente se pergunta é: Se o tal Lázaro é tão perigoso e já esteve preso, por que deixaram sair? É que se começarmos a focar no verdadeiro problema da justiça brasileira e suas leis ultrapassadas, vamos achar o verdadeiro diabo da história toda e o inferno de engravatados que não mudam essas leis a favor do cidadão de bem. Eu não vi Direitos Humanos preocupados com as vítimas desse maníaco e seus parentes, mas certamente quando capturarem o cara vão estar lá para garantirem a integridade física do sujeito. E aí do policial que espirrar sem querer em cima dele, já vai parar na imprensa acusado de abuso de autoridade. Enfim, a hipocrisia, como dizem. No país do carnaval, tudo vira carnaval… E o baile ainda vai seguir por muito tempo. Depois da captura, se ele for pego vivo, ainda tem a prisão, tem o julgamento. A novela vai longe. Importância e fama demais a quem merece a prisão perpétua. E se o maluco se matar, ainda vai virar herói. E se trocar tiros com a polícia e morrer, vão instaurar inquérito para investigar os policiais envolvidos ou uma CPI. Precisa dizer mais?

Publicado por Lara One

Escritora, autora e roteirista. Writer, author and screenwriter. Escritor, autor y guionista.

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